FGTS é do trabalhador e precisa ter correção mínima equivalente à poupança, decide Barroso
Ministro do STF acrescentou que mudanças de cálculo só podem ser aplicadas daqui em diante, e não de forma retroativa
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quinta-feira (20) pela correção das contas do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) acima da Taxa Referencial (TR), com no mínimo a mesma variação da caderneta de poupança. Para ele, embora o uso de recursos do fundo para habitação, saneamento e infraestrutura seja relevante, não pode ser feito à custa do trabalhador.
“Ninguém é um meio para realizar fins dos outros”, decidiu, no primeiro voto do julgamento sobre o tema. Mas a mudança seria aplicada apenas daqui em diante, a partir da publicação da ata de julgamento, e não de forma retroativa.
André Mendonça acompanhou o relator. Na sequência, o julgamento foi suspenso e deverá ser retomado na próxima quinta (27).
Na visão do relator, o que acontece hoje é uma “funcionalização da propriedade privada dos trabalhadores em circunstâncias que a meu ver ultrapassam o limite do que seria razoável”. Assim, sustentou, a remuneração anual mínima não pode ser inferior à da caderneta de poupança.
Possíveis perdas passadas, disse Barroso, devem ser resolvidas pelo Legislativo ou via negociação coletiva. “Não há cadáver no armário e nem há impacto sobre a situação corrente no país”, argumentou. Hoje, a TR em 12 meses está em torno de 2%. A poupança, perto de 8%.
Ação aberta em 2014
O STF está julgando a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.090, que tem como relator o ministro Barroso. A ação foi ajuizada pelo partido Solidariedade em 2014. No julgamento, o STF aprecia se utilizar a TR para correção monetária dos saldos das contas do FGTS – como fez a Caixa Econômica Federal – afronta o princípio constitucional da moralidade administrativa. O banco é o gestor do Fundo de Garantia.
Para o partido, a TR não corrige adequadamente os depósitos, causando perdas aos trabalhadores – os proprietários das contas, segundo a argumentação. E argumenta que a maior diferença de valor entre a TR e outros índices de correção se deu de 1999 a 2013.
Decisões discrepantes
A União e o Congresso defendem a TR. Em julgamento anterior, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) homologou esse fator de correção. Mas, como lembrou Barroso, instâncias inferiores continuavam mostrando decisões discrepantes, o que levou o magistrado a suspender o tema até que o STF apresentasse uma posição final. Ontem, representantes de centrais sindicais se reuniram com Barroso para defender a revisão da correção.
Em seu voto, Barroso disse que é preciso compreensão sobre o papel do FGTS, incluído tanto na Constituição como em legislação ordinária. “Estamos falando de um direito social expressamente contemplado na Constituição. E estamos falando de valores que integram o patrimônio do trabalhador. É uma poupança do trabalhador”, afirmou.
Risco da indexação
Depois, a Lei 8.036, de 1990, acrescentou finalidades (programas de financiamento) não previstas na Carta de 1988. “É impossível não concordar com a importância dessa destinação.” A questão, dessa forma, é como lidar com a inflação, disse Barroso, alertando para os riscos da chamada indexação, que “alimenta a inflação”.
Ao mesmo tempo, não é possível aceitar uma correção inferior à de menor remuneração (poupança). Nesse ponto do voto, ele pediu “uma gota de empatia” ao que chamou de alta classe média, que consideraria um “confisco” a aplicação da mesma regra em títulos ou renda fixa, por exemplo.
Para o advogado-geral da União, Jorge Messias, a adoção da TR não viola os direitos constitucionais de propriedade. Além disso, segundo ele, o FGTS não é exclusivamente do trabalhador, mas tem dupla finalidade: além de prover subsistência em caso de perda do vínculo empregatício, fomenta políticas públicas por meio de programas de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana. “Qualquer alteração pode inviabilizar essa finalidade social do Fundo”, afirmou.:
Disputas judiciais
Ele também citou alterações legislativas segundo as quais o FGTS passou a distribuir parte dos lucros, em remuneração quase sempre superior à variação do IPCA, índice oficial de inflação no país. Assim, na argumentação do titular da AGU, uma decisão do STF favorável poderia prejudicar o próprio trabalhador. Messias disse ainda que é preciso acabar com as disputas judiciais envolvendo índices de correção.
De acordo com informação do jornal Valor Econômico, a Caixa estimou em até R$ 661 bilhões o impacto do julgamento para a União, em caso de aceitação do pedido da forma como apresentado – o que acabou não acontecendo. Esse valor superaria o patrimônio líquido do FGTS.